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Blog das crónicas de Basílio José Dias, publicadas semanalmente no jornal Atlântico Expresso.

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Localização: Ponta Delgada, Açores, Portugal

Tem o Curso Complementar dos Liceus, tendo frequentado o Liceu Nacional Antero de Quental. Serviço Militar de 1940 a 1945. Entrou para a Fábrica de Tabaco Estrela em 1946. Gerente de 1957 a 1989.

22 de maio de 2006

Nº 65 POR DO SOL…

Recordemos a nossa passagem pelos bancos de instrução primária, ali no Campo de S. Francisco e os nossos professores, D. Zulmira Mota Vieira e de seguida o marido, José Tavares de Resende, figuras respeitadas e respeitáveis, a ensinar-nos, desde as primeiras letras, até ao português falado e escrito. Nunca os tememos, mas algo de respeitoso, para alem do comum das outras pessoas, os elevava acima da média e, não sabemos porquê, ainda hoje nos toca a sensibilidade, ao atribuir-lhes muito do que aprendemos e do que somos, dentro da fragilidade humana, impediente de sermos mais perfeitos.
Vestes vulgares, asseadas, personalidades naturais, afectivas, ao simples olhar em linha recta do aluno, reflectiam, além da instrução, durável até hoje, uma mística educativa, extensível a todos os outros professores, que nos vieram a ajudar na caminhada do saber.
Estes nunca esquecidos Mestres, para nós, símbolos da profissão base do enobrecimento do intelecto, descreveram-nos a História de Portugal e entoaram-nos o Hino que a distingue, intercalando o carinho de e em todos os territórios, selado com gestas ímpares, a orgulhar a descendência pelos séculos dos séculos.
Foram Eles, os pregoeiros das nossas sensibilidades educativa, instrutiva e patriótica.
Não os colocaremos no topo dos topos, mas figuras vividas, a apontar o dever de respeitar o direito e o direito de estimar o dever. Nunca deixarão de ser nossos Professores.
Nesta crónica de memórias, colocamo-los ao lado dos profissionais que, em Timor, ( e nas demais Províncias Ultramarinas ) transmitiram nas escolas, a mesma fidelidade à terra portuguesa. O que pudemos atingir na idade escolar, milhares de outros meninos recolheram em si, a certeza de não contarem só com a Família, na colheita de benevolências e seguro, nas prerrogativas presentes e futuras. A Pátria surgiu como mais um sustentáculo, no convívio solto à confiança.
Por um bambúrrio dos rodeios enfatuados nos despachos partidistas, os Açores e a Madeira, não entraram no rol dos leiloeiros de vendas, trocas ou ofertas, em 1974. Para nós, a distracção?... resultou favorável. Quem saberá, se este desvio ao desvairo, não terá resultado de certo receio…do lado da bandeira de faixas e «estrelas» que drapeja nas propriedades do tavirense, João Vaz Corte Real (desde 1472) …? e herança para os filhos, os Mártires açorianos, Gaspar e Miguel Corte Real (desde 1501, até ao esbulho pelos séculos adentro) ?
Muito sentiríamos mudar o nosso Bilhete de Identidade e desdizer os ensinamentos dos nossos Guias, na instrução Primária e outros espalhados no antigo Mundo Português.
A Descolonização, fixou-nos no pensamento, uma amálgama de desatinos e escabrosidades, que nunca mais se nos apartaram.
O repúdio, sem aviso ou pergunta, da concepção solene das lições dos nossos professores, emaranha sentimentos os mais diversos, do alegre se ficar mais ligado ao nascimento, mas espalha-se pela galhofa do inesperado, até ao ódio de esbulhar os até então, considerados propulsores do desenvolvimento. Em tais reacções, a sanha da desforra, ingratidão para «quem deu mais luzes ao Mundo» irrompe, a aprazer-se com morte e destruição. Aos imigrados, a ordem de saída imediata, ou…
Inevitáveis… chacinas, furtos, terrores, destruições familiares, abandono do ordenamento, dos ganhos sofridos, do agasalho, do conforto… de toda a conquista suada dia a dia… Infortúnio…
Em 1974, deslocamo-nos a Lisboa, em serviço profissional.
No hotel onde nos instalámos, grupos de « retornados » - homens e mulheres, escapados das Províncias Ultramarinas, que tinham provado, não temerosos da rudeza de dependerem de si próprios, onde resolvessem permanecer -, distraiam a ociosidade, em colóquios banais e improdutivos, recebendo do Erário Público, a «esmola» de alimento e cama para dormir, mesmo a esmo, no chão de um quarto de dimensões de menor escala. Aparência bondosa, da reviravolta infantilizada, a encobrir fomento à promiscuidade e a comprometer o futuro – este nosso tempo de vexame - para orçamentos cada vez mais franzinos, admitindo «discussões» empolgadas por farturas, existentes nas mentes dos oradores …pagos para «falar»…
O desalento, em todos os rostos, faiscava …não alvoradas de festejos pomposos… mas reflexos de espadas prontas .a entrar na liça para sair da arripiante sombra da esterilidade e da hipótese longínqua de um porto seguro, recebendo os raios animadores de outro Sol, que o seu tinha descido ao poente…
Nós vimos os efeitos nocivos do arrastamento para a derrota, de lutadores e lutadoras incansáveis para bastarem as Famílias e serem prestantes à sociedade. Nós assistimos ao desfile, em rebanho – mulheres viçosas, homens rijos, crianças na rebeldia peculiar, velhos atormentados – com a vergonha a rebentar a face, alinhar na hora das refeições e a passada lenta, apática, no regresso à cadeira da inércia. Nós ouvíamos… sim, ouvimos… no olhar mortiço, embaciado nas recordações de um bem estar conquistado a pulso de trabalho, os gritos desacordantes da situação de preguiça, imerecida, castradora da personalidade vertical e da educada honradez , que a propaganda barateira desvalorizava, para opor a subida ao altar da emoção, o auditório teimoso em ser português.
Ouvíamos a voz clara, insinuante, dos nossos Professores, D. Zulmira Mota Vieira de Resende e José Tavares de Resende a ensinar a arte de ter nascido em Terra Portuguesa e achava semelhanças a outros espalhados na Portugalidade com a mesma função. O que em nós vibrava, sabíamos que, de certeza, em muitos mais corações, a sensibilidade irradiava raios de igual calor.
O que os nossos Professores não nos prepararam no seu ensino perfeito, foi a hipotética existência de «retornados», de territórios portugueses… Nunca arriscariam uma referência que passaria pelo absurdo… entre gente equilibrada…
Os sentidos recolhem, a cada instante, as sensações ambientais, despidas de avaliações ou preconceitos, na nudez gelada do momento.
Júbilo, tristeza, indiferença, quezília, repulsa, ciúme… São mais as dores, que as alegrias. Talvez, por isso, a memória se treine melhor a reter o agradável, porquanto o triste, acontece mais vezes, quando menos se espera… e é preciso esquecer de pressa, não vá o desgosto afundar cova para encurtar a vida.
O «drama dos retornados», uma conjuntura fora do imaginável, uma das ruínas dos orçamentos nacionais, humilhante e estrago da moral, das boas regras e costumes, ficou com a marca indelével de uma culpa eterna, que os tempos se pasmarão, quando tiverem tempo, ou os deixarem julgar.
Chegou ao fim esta crónica prevista a ser curta. Foi um desabafo, mais outro que nos susteve frente ao computador. A quem nos lê, pedimos compreensão e a desculpa num « muito obrigado». Não olheis para meus olhos…
Até próximo.