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Blog das crónicas de Basílio José Dias, publicadas semanalmente no jornal Atlântico Expresso.

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Localização: Ponta Delgada, Açores, Portugal

Tem o Curso Complementar dos Liceus, tendo frequentado o Liceu Nacional Antero de Quental. Serviço Militar de 1940 a 1945. Entrou para a Fábrica de Tabaco Estrela em 1946. Gerente de 1957 a 1989.

23 de outubro de 2006

Nº 99 O CULTO DA ARTE 1922 … RUMO AO ENSINO 2006… QUAL RUMO ?...

Ao ser humano, satisfeitas as actividades fisiológicas, calados os chocalhos do alimento, da dor e do sono, o tempo de folga, recreia-se a admirar o formato dos objectos e as reacções dos elementos da Natureza. A imensidade esplendorosa no firmamento, a chuva, o vento, as nuvens, os astros brilhantes, o Sol a aquecer o calhau, as movimentações dos outros animais, a folhagem nas plantas, atraem a aplicação da actividade intelectual. Quase faz esquecer a azáfama para caçar a refeição imediata.
Dia após dia, acabada a monotonia da mastigação e da fuga aos perigos da ferocidade, a análise do ambiente, começa a desenvolver a memória, esta busca os meios de proteger as fraquezas padecidas pelos rigores das intempéries, o pau ou a pedra para defesa da ferocidade dos apetecidos da sua carne, até que, a estafa de tanto sofrer, se recolhe a sombra ou gruta, para descanso e reânimo da sobrevivência.
Terão sido, se bem pensamos, os momentos de repouso, os teimosos a descobrir os contornos e os sons dos reinos da Natureza.
Aperfeiçoamento, após aperfeiçoamento, a garantia de viver mais e melhor, e poder gozar o trabalho dos sentidos, induziu ao fabrico dos utensílios, mais precisos de uso diário. E à cópia dos seres que povoam o Universo e se salientam no convívio do racional. A Arte, assim alimentada, aproxima a manutenção da vida, no ornamento do tosco, para tornar a inteligência humana, comparável à criação.
Quem molda uma faca de pedra, faz machados e aproveita ossos para fabricar agulhas, também esculpe corpos e plantas. É o desporto voluntário, que os milénios, os séculos e as restantes divisões do tempo, continuam a praticar, doando à FÉ, a confiança na eternidade do Belo, do Amor, da Sapiência….
Se o rolar do tempo, se adapta, com rapidez, ao predomínio da técnica e da ciência, as faculdades intelectuais e morais, progridem no passo musical dos reflexos emocionais e educativos. Passam a hábitos lentos em mudanças, porém, firmes na melhoria do traço, da cor, do som.
A arte, alberga-se na teimosia do estudo no aperfeiçoamento, na prodigalidade no trabalho e desprezo do cansaço. O artista é um produto precioso, uma existência sacrificada à aproximação à divindade suprema.
Raros são os Seres Humanos, habilitados a aproximarem-se do cume. Mas a todos, é facultada a possibilidade de subir a encosta. Mais abaixo… mais acima, é sempre um esforço compensado com aumento de conhecimentos e progresso da sensibilidade, necessitada do conforto de raciocínio mais amplo.
As faculdades inatas no Homem, não têm limites de expansão. Os conhecimentos exactos, todavia, requerem lugares próprios, para a mistura de pareceres, ministrados por Mestres abalizados nas matérias discutidas, produzirem a essência da evolução, a distribuir para mais intelectos, no perto, no longe e fazerem a entrega ao futuro.
Por este motivo, Platão reunia os discípulos, nos jardins de seu primo Academos, para ensinar o que sabia. De Academos, proveio a eternização do nome de Academia aos recintos de aprendizagem. Academos, de intelecto mediano, por simples cedência de recinto para estudo, obteve mais vulgaridade no seu nome, que o do parente próximo, Mestre dos Mestres. As avaliações ocupam patamar modesto.
O que convém assimilar, porém, foi o bom conselho de Platão, para ministrar o ensino, de criar recintos próprios, chamarizes aos desejosos de mais saber. A variação dos nomes, não alterou a finalidade.
Aristóteles, baptizou o seu espaço de professor e alunos de - Liceu. Apareceram outros de «Escolas, Universidades e Conservatórios, estes mais virados para as «Belas Artes». A necessidade de expandir o ensino, enxameou o Mundo de estabelecimentos, destinados a receber aprendizes para entrarem no mercado do trabalho. A Arte, além da missão de alindar, também é meio de ganhar a vida.
1922, foi ano de penúria mundial. A Primeira Grande Guerra ( 1914-1918), terminara quatro anos antes. Escassez dos géneros alimentícios e dos materiais de construção, sentava-se à mesa do cidadão desejoso de tranquilidade, mas carente de emprego. A Agricultura em «estado de choque», a reaver os braços experimentados nos serviços agrícolas que estiveram a limpar a lama nas trincheiras da Flandres, enquanto as balas zuniam por cima; o movimento fiduciário trémulo, desvitaminado da indústria, ainda combalida de ter sido obrigada a produzir para a matança, no mar, em terra e no ar. Um ror de desânimos sombreava a esperança de melhores dias.
Apesar da descrença nesse presente e do escuro no dia seguinte, em 1922, um grupo denodado de Homens de «um só parecer», arriscou, na Ilha de S. Miguel, dar o passo em frente, a buscar o arrimo ao bordão das virtudes teologais:
Fundou a ACADEMIA MUSICAL DE PONTA DELGADA.
A pecúnia, rasourava as despesas. Os professores, os mais hábeis amadores locais, compunham o corpo docente. Sede condicionada ao ensino, não havia. As entidades oficiais, cediam apartamentos devolutos, por tempo incerto. «Margens de manobra» de professores, para os imprevistos, não existiam. FÉ, a arma solitária para vencer, tomava a cátedra da importante iniciativa nestas nove Ilhas, no Atlântico plantadas.
Começou o primeiro ano de escolaridade, em 1923. Mas já em 1925, se realizou a apresentação em público, no magnífico Teatro Micaelense, destruído por incêndio em 1931, sito no actual Jardim Sena Freitas, da estreia dos alunos melhor aplicados. Foi um sucesso.
Pesar, pela carência, na altura, de amadores que substituíssem os que soçobravam por doença. Pois que, as verbas movimentadas, não davam para pagar a profissionais melhor preparados.
Apesar das interrupções que atormentaram os bravos iniciadores da Academia, ou Conservatório, simples questão de nome, estamos convictos, que não teria sido possível a apresentação no nosso Coliseu Micaelense, da celebérrima revista LANTERNA MÁGICA, escrita pelo talentoso José Barbosa e musicada pelo mérito artístico do Professor Ilídio de Andrade, na década de 1930. O aparecimento de executantes nos naipes da orquestra e de actores amadores, muito acima da média, quase todos ali da Fajã de Baixo, como sejam…
Desculpe, caro leitor, quando nos prestávamos a escrever um nome, logo veio a interrogação: Não vai esquecer nenhum?
Foram tantos, que a saudade nos iria deixar mal... A saudade arrocha o coração da gente, quando pensa nas almas que animaram as festividades do passado.
Mas mais cruel acontecimento nos constrange, ao termos de assistir, à destruição do que parecia a evolução normal dos benefícios intelectuais. Magoou ler a resolução do Conselho do Governo, nº 70/2006, de 29 de Junho, p. p., a extinguir o Conservatório, um dos êxitos, que parecia firmado na consciência limpa, dos micaelenses... Um BEM, tão sofrido… prova clara de merecer a existência de um foco livre de espalhar arte. A alteração prevista, irá dar certo? Perdida a autonomia musical, não brotarão anomalias a enfraquecer o lado artístico?
Temos presenciado o lançamento de «lâmpadas de Aladino», a anunciar mais fontes luminosas, enquanto nos arrepia a escuridão dos curto-circuitos da realidade, que acabam por queimar os fios condutores do intento…
O que faz comprovar, a ambição do Homem querer alcançar o brilho das estrelas no céu e encontrar-se cada vez menos coerente, com a ligação administrativa, às necessidades e belezas terrenas. Tristeza…
Até próximo.