América América

Blog das crónicas de Basílio José Dias, publicadas semanalmente no jornal Atlântico Expresso.

A minha foto
Nome:
Localização: Ponta Delgada, Açores, Portugal

Tem o Curso Complementar dos Liceus, tendo frequentado o Liceu Nacional Antero de Quental. Serviço Militar de 1940 a 1945. Entrou para a Fábrica de Tabaco Estrela em 1946. Gerente de 1957 a 1989.

8 de outubro de 2005

Nº 6 & 7 REPOVOADORES & COMPANHIA

Na nossa última crónica, diligenciámos recapitular ocorrências marítimas para os lados da América, do Século XV ao Século XX.
Chamámos a atenção para o débito dos Açores, para com o Dr. Manuel Luciano da Silva, que no Século XX, deu esforço isolado, para retirar da lama das águas do Rio Tauton, próximo de Fall River, o DOCUMENTO, necessário e suficiente, para substituir da lenda ou meias hipóteses, o herói e talvez Santo Açoriano, Miguel Corte Real. As provas palpáveis que até então se escondiam com as marés, galgaram a terra e instalaram-se em lugar de destaque para testemunhar os factos ocorridos 500 anos atrás.
São os documentos visíveis, que contam, a perpetuar em letras de luto, embora, no pedestal da História Trágico- Marítima, dessa era, em que a Pátria valia a aventura e a vida dos seus filhos, com a paga por conta das ondas, e dos ventos. E o imprevisto não entrava na despesa, bastava o apego ao dever a cumprir, usando nervos enrijados pela Fé e músculos sustentados pela ânsia de superar as rudezas e carências das missões.
Tentámos evidenciar o período dos estudos da única via aberta dos mares, para Portugal achar novas terras. Porque era preciso implantar um Império, além do enigmático horizonte, que recebesse e alimentasse o crescimento da população e alargasse o território necessário para elevar o estatuto de autoconfiança e por a distância, as nações candidatas a trocas e negócios, na correspondente linha da igualdade.
E acrescentamos, que Miguel e sua marinhagem, por precedência e DOCUMENTO, foram os primeiros Repovoadores da América, na era áurea desse surpreendente esforço português, para firmar a sua nacionalidade e ter direito a proteger o seu futuro.
DOCUMENTO, ao abrigo da LEI, onde constam, a data, bem legível –1511 – o nome de quem sabe escrever e se responsabiliza pelos seus actos –MIGUEL CORTE REAL – e o selo inconfundível da CRUZ DE CRISTO, que chancela a exactidão.
Relembrámos que João Vaz, localizou e deu nome à Terra Nova em 1472, que logo de seguida, outro baptismo lhe foi conferido de Terra dos Bacalhaus, palavra esta de origem portuguesa. Talvez que o nome de Terra dos Bacalhaus, na altura, possa anunciar que antes de Cristovão Colombo pisar a Ilha de S. Salvador, em 1492, em Lisboa, já se comia o, ainda hoje, apreciado peixe. Se assim foi, mais uma contradição, da descoberta de Colombo.
De Gaspar Corte Real, respeitador do sigilo das navegações autorizadas pelo Rei, nada escreveu sobre os seus feitos.
O que sabemos sobre o que ele presenciou nas suas visitas à América, está descrito pelos diplomatas espiões italianos, Alberto Cantino e Pedro Pasqualigo.
Cantino, escreveu ao seu «patrão», Hércules de Este, Duque de Ferrara, que vigiava ocasião de intercalar oportunidade para desviar lucros.
Damos os tópicos principais:
« No quarto mês chegaram à vista de um grandíssimo país ... encontraram abundância de frutas várias e suavíssimas e árvores e pinheiros de tão grande altura e espessura que seriam grandes demais para mastros da maior nau que andasse nos mares.... os homens deste país dizem não viverem senão da pesca e da caça de animais, dos quais a terra abunda, veados de longo pêlo, cuja pele eles usam para vestuário e fazer casas e barcos ... dos homens e mulheres deste lugar, agarrados pela força, cerca de cinquenta e tendo-os trazido ao Rei, os quais eu também vi, toquei e examinei; começando pelo seu tamanho, digo que são um tanto mais altos que os nossos naturais, com membros correpondentes e bem formados.... os olhos são esverdeados e quando nos olham, dão uma grande frieza a toda a face; o falar não se entende mas mesmo assim não há qualquer aspereza e é portanto humano; as suas atitudes e gestos são muito suaves, riem bastante e demonstram grande alegria, isto quanto aos homens. A mulher tem seios pequenos e um corpo muito belo, tem um ar bastante gentil e da sua cor quase se pode dizer tão branca do que qualquer outra..... em todas as partes estão nús salvo nas partes vergonhosas que estão com pele dos veados... não possuem armas nem ferro, mas sei que trabalham e sei que o fazem com duríssima pedra aguçada, não havendo nada tão duro que não possam cortar com ela.... este navio navegou durante um mês e dizem ser duas mil e oitocentas milhas de distância... »

Pasqualigo também escreveu. Calcula a distância de Lisboa de mil e oitocentas milhas. Pouco adianta à carta de Cantino.


Foram estes dois informadores dos ICEBERGS, que dão nota das viagens de Gaspar.
Ao pedido de Miguel para «achar» seu irmão, o Rei D. Manuel, em 11 de Janeiro de 1502, condescendeu e acrescentou: « que sendo o caso que ele não ache o dito seu irmão, ou sendo falecido, o que Deus não mande, queremos e nos praz que toda a terra firme e ilhas que ele por si novamente neste ano de mil quinhentos e dois descobrir e achar, além da que seu irmão tiver achada, ele a haja para si ( Miguel ) e lhe fazemos dela doação e mercê com aquelas jurisdições, direitos , capitanias, cláusulas, condições ...»
Foi assim, que a Terra Nova, ou Terra dos Bacalhaus, também adquiriu, por doação Real, o terceiro nome, de Terra dos CORTE REAIS.
Miguel, nem teve tempo de relatar os resultados das suas arriscadas viagens. Ele e os desditosos companheiros de infortúnio, porém, marcaram a sua presença, no linguajar das tribos índias.
Palavras portuguesas, entraram para permanecer, no dialecto dos nativos.
O Dr. Manuel Luciano da Silva, indica algumas, como prova do contacto demorado, havido com interlocutores a falar português:
Cabbo, que deu cape, em inglês.
Casco, Curvo, Pico, Manhã, Pouca, Vasque, Ariscos, Chepadas, Cochecho, Machias, Negas, Osso, Sábado, Tomar, que deu Tomah River, Tomah Lake; Tejo ou Tagus, que baptisou Tagus River, Tagus Lake, Sagres, havendo um local próximo da Pedra de Dington, de nome Sagues e Saugus, uma vila a norte de Boston, Catana, Monte – Mount Hope, Montaut – Mont´Alto, Amen – Amenquina, nome de chefe índio, etc.
Anotámos, também, que, depois dos primeiros povoadores mongóis ou outros que seguiram o mesmo caminho, de há 20.000, 25.000 ou mais milhares de anos, dependendo os números, das manifestações de vida que os arqueólogos vão desenterrando dos «fósseis», ou pó dos tempos, tinha duas fases separadas por ténue biombo de critério: a primeira referindo-se a datas da Redescoberta, concluídas por homens de valentia salgada nas mareações e na rudeza das fainas sofridas e a segunda, porventura mais chegada ao conceito da sua actual postura, o nível intelectual dos repovoadores.
Sobre datas das redescobertas, estão referidas acima, com relativo pormenor.
O segundo aspecto, dará conta, a nível do intelecto dos repovoadores. Porque foi de suma importância, o estado de desenvolvimento intelectual dos repovoadores de 1620, pronto a dar o salto e fazer entrar no progresso, o Continente habitado por homens de aparência feroz, mas de riso espontâneo e gestos simpáticos, como os descreveu o diplomata italiano Cantino, em 1501.
As exteriorizações destes descritos autóctones, patenteiam que, por si próprios, na área da amizade e respeito humano, já tinham atingido elevado grau de civilização. Se prova é necessária, repare-se na maneira, podemos dizer, gentil, como teriam sido recebidos, Miguel e os deseperados companheiros de infortúnio, cuja fusão, contribuiu para bem receber os Peregrinos ingleses em 1620.

Foi a oferta de um passeio a Plimoth Plantation, que para nós e para todo o visitante interessado nas vivências de épocas passadas, nos seus usos e costumes, é uma das melhores lições práticas da História, que nos espicaçou escrever estas crónicas, prestando atenção à verdade do, realmente acontecido.
Após terminada esta lição, com todos os ingredientes do Século XVII, sentimo-nos gratos por quem pensou em reabilitar as fadigas por que padeceu o primeiro alistamento de colonos, portador do embrião intelectual da América. Ao correr desta descrição, escrevemos «embrião», porém, ao reconsiderar o termo, teremos de o substituir, por outro, mais válido e convincente, o de « escola ».
Porque o «embrião», pôs o pé na América, no meio dos primeiros povoadores. Foi esse «germen» que se desenvolveu, coordenando o aperfeiçoamento da caça e da pesca ; da saída das grutas, aproveitando as peles dos animais digeridos, para vestidos e construção de habitações em lugares abrigados e próximos de água, onde o peixe se deixava apanhar e os animais iam matar a sêde ; foi desse mesmo «embrião» que nasceu a ideia de serrar madeira para residências mais confortáveis, resistentes e duradouras; dele veio o incentivo de domar os cavalos, brincalhões naturais do Continente americano, montarem-nos e virem a ser excelentes cavaleiros ; juntar réqua ou réquas e encaminhá-las para a Ásia, usando a trilha do Estreito de Bering , a fim de disseminar o auxílio aos outros homens daqueles garbosos animais por todo o resto do mundo. Foi esse mesmo «embrião», que domesticou outros animais e aves para sua sustentação e manteve-os à sua beira; e foi esse «embrião, que os prisioneiros indígenas de Gaspar, em 1501, exteriorizaram ao serem mostrados aos visitantes em Lisboa, no seu riso franco e cristalino, mostrando que a agressividade temperamental, também já havia sido amansada.
Até que ponto, desabrocharam os «embriões» das diferentes raças que se adiantaram em ser americanas?... Receberam com simpatia, os repovoadores, Miguel Corte Real e companheiros e com estes se fundiram, para virem a colaborar na recepção aos «pilgrins» ingleses em 1620.
Aproveitamos para citar que compêndios escolares, atribuem aos espanhóis a introdução do cavalo na América, em 1517 e 1520. Os equídeos, nasceram na América do Norte.

Notícia no Diário dos Açores, de 5-12-2004 informava: « Agricultura organizada há 4.000 anos na América do Sul» e pormonorizava que uma equipa de arqueólogos descobriu uma sociedade agrícola complexa há 4.800 a 4.200 anos no actual Uruguai, muito antes do que se pensava. Os arqueólogos encontraram no sítio de LOS AJOS, nos pântanos a sueste do URUGUAI, vestígios de casas organizadas em volta de uma praça central, com locais separados para a preparação de alimentos e fabrico de utensílios. Análises feitas a grãos de amido e a outros fósseis de plantas mostraram que os habitantes desenvolveram uma verdadeira agricultura com milho, fruta e feijões.
Pensava-se até agora que antes da colonização espanhola do Século XVI, esta região não era civilizada, sendo só percorrida por pequenos grupos de homens para a caça e a colheita»
Já manifestamos que a arqueologia, não se sente inferiorizada, por ter de confessar que grutas, sepulturas a pântanos, parcimoniosamente, vão abrindo os seus segredos para espanto da ciência histórica, obrigando-a a vergar a cerviz, perante as últimas escavações. O que está sabido, tem muito valor, mas quanto falta para «saber»?...
Recordar, é aderir ao culto da verdade. Mas ela, não encobrindo o seu semblante austero, saltita em repentes, fazendo suar as estopinhas aos apaixonados para lhe descobrir o rasto. Não há forma de a encostar à certeza, nestas andanças pelo passado ...