América América

Blog das crónicas de Basílio José Dias, publicadas semanalmente no jornal Atlântico Expresso.

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Localização: Ponta Delgada, Açores, Portugal

Tem o Curso Complementar dos Liceus, tendo frequentado o Liceu Nacional Antero de Quental. Serviço Militar de 1940 a 1945. Entrou para a Fábrica de Tabaco Estrela em 1946. Gerente de 1957 a 1989.

8 de outubro de 2005

Nº 2 A CIDADE E A CULTURA

Mais uns empurrões e palavras de entusiasmo e lá vamos nós a caminho de New York.
Magníficas estradas de 4 faixas, ladeadas por uma vegetação densa, robusta, verde forte, salpicada de verde- cré, ruborizada pelas folhas de frondosas árvores que nos pareceram giestas, como a querer disfarçar o silêncio confuso e estranho, das autênticas aldeias ou vilas, que se alongam poucos metros ao lado, desabitadas e tristonhas, durante as horas agitadas do abastamento organizado e imutável, da industriosa América. Os empregos escoam as residências, o trabalho cumprido, devolve o convívio entre as famílias.
O «bus», onde seguíamos, de porte avantajado, deslizava a par com os outros circulantes, de diferentes pesos e tamanhos, sem se notar, em todos, mais ou menos pressa.
Notava-se que cada pessoa tem um horário que cumpre com zelo e pontualidade. Todos os horários, porém, aportam a uma tabela comum, que chancela o encargo individual no comportamento e na profissão.
Avistamos New York. Cimento e aço a subir aos céus, a quebrar o fabuloso, da anã «Torre de Babel».
Esta viagem, teve, também a finalidade de assistir ao espectáculo da «Companhia Portuguesa de Bailado Comtemporâneo», onde actua a nossa sobrinha Rita Reis, no «The Joyce Theater», na Eighth Avenue. Para lá nos dirigimos, antes de «ver» a Cidade Império.
Vale a pena descrever a actuação do que assistimos, para nosso prestígio. Não somos críticos de arte, nem pretendemos sê-lo agora. Assiste-nos, porém, a faculdade de transmitir o que sentimos e retirámos na noite do último dia 15 e pô-lo em letra de forma para ficar registado.
De 12 a 17 do corrente, apresentou-se a Companhia, naquele teatro, sempre com a lotação esgotada, apesar de Bush e Kerry, exporem ao público as suas razões, para ocuparem a Casa Branca, na afortunada e «sapiente» televisão, para onde se criou o hábito de acorrer, a buscar cultura, para exibir pareceres catedráticos.
Amaramália – Abandono», foi o programa. Argumento baseado em 10 fados cantados por Amália.
Enquanto se ouvia a artista em disco, no palco, os troncos, os braços, as mãos, as pernas, os pés, os dedos, declamavam, em simultâneo, mágoa e anseio, insatisfação e esperança, o ciume e a ira, o desalento, o pecado, a ingratidão, o amor que perdoa, numa harmoniosa sinfonia de gestos, a implorar a ilusória concórdia dos amores ardentes e o «fado» do apetite... da lágrima... dos desenganos...
Alguma influência terá, no sucesso da Companhia Portuguesa de Bailado, o título comercial do espectáculo e as canções de Amália, mas a actuação dos 15 jovens, dirigidos por Vasco Wallenkamp e Graça Barroso, no palco, é o ponto forte que emociona o espectador.
Corpos inquietos, simulando ondas calmas ou agitadas, qual serpentes na apanha da maçã pinga- amor, corpos falantes, sofridos ou atormentados, a gritar emoções e paixão, mostraram, no «Joyce Theather», em New York, na noite de 15 de Outubro de 2004, a que assistimos, que foram justos, os entusiásticos aplausos, concedidos a gente portuguesa. Que nós, jubilosos, acompanhámos também.

O nosso «bus», terminou a viagem na estação situada na Nona Avenida de New York, relativamente próxima do hotel onde iríamos passar a noite.
Começámos, por isso, de imediato, a experimentar o trânsito numa rua larga, densamente movimentada por raças diferentes, com portes semelhantes. Os atropelos, por magia, não se davam, sendo nós os causadores de uma ou outra ligeira colisão, deficiência breve corrigida, porque aprendemos depressa, a tomar como modelo, as regras e civismo que virmos fazer em terra alheia.
Dos dois lados da avenida, de porta em porta, estabelecimentos comerciais. Vestuário, feminino e masculino, calçado, ourivesaria, bijutarias, restaurantes em maior número, hotéis, farmácias , bancos e não chegámos a anotar mais, por nos ter sido impossível, percorrer, a pé, com a devida atenção e demora, a avenida em todo o seu comprimento. Nos agigantados prédios, em espaços e alturas, devidamente calculadas, aparatosos anúncios, tentam seduzir a atenção de quem passa. As cores berrantes, egoistas, em alternância insistente, exibem a farfalhice de representarem o superlativo dos predicados de consumo, no propósito de figurar a vanguarda agressiva de lutador para lutador, de marca para marca. Cada anúncio desafia o olhar só para si.
Quem trata da sua vida a calcorrear o alongamento das avenidas de New York, tem sempre com que se entreter, a observar cenários de luzes na aparência brincalhonas, mas que têm o seu significado mais fundo, de que para escapar num mercado complexo, é essencial olho vivo e ideias a remodelar o mesmo com outra configuração, se não possível, também com o avanço da técnica que, desde o século XIX, tomou balanço para não mais parar.
Passada a noite no Milford Plaza, no vigésimo andar, deslumbrámo-nos com a festa dos diferentes tons da iluminação, estampados no rendilhado de linhas paralelas, oblíquas e perpendiculares, da traça pedonal e dos faróis apressados de chegar ao destino, que já era tarde para o descanso, no final da lida diária.
Pela manhã, do sábado, dia 16 de Outubro de 2004, ao sair do hotel, para o pequeno almoço, como passe de mágica, a 9ª Avenida tinha-se escapado para a cartola de prestidigitador de outra nacionalidade, hábil nos truques, interesseiro em camuflar negócios. Nem um automóvel a embaraçar o interesse comercial de centenas ou milhares de pessoas no meio da rua, na nossa frente, e depenicarem nas barracas, barraquins, simples mesas, ou mesmo no chão, onde, dependurados ou estendidos, à moda das tradicionais feiras minhotas, beirãs, alentejanas ou algarvias, se exponham bugigangas de complicada referência, artefactos de origem africana, chinesa, indiana, vestuário, calçado e toda a série de produtos acessíveis a lares modestos. Nem faltava o fumo, saído de lareira ambulante, onde se coziam ou assavam maçarocas de milho verde, ainda encamisadas, que deliciavam os apreciadores.
Como diferenças das nossas feiras, não presenciámos o cheirete agressivo da assadura apressada das sardinhas, nem os efeitos «animadores» do «tinto», que tanto se lhe dá «botar cantiga» de mal ou bem-dizer, como descarregar gargalhada etílica na cara de qualquer anónimo agredido. Não era preciso, nem ali teria lugar.
Na «terra da América», a rotina aperaltada e sempre a retocar o aspecto exterior, prevalece para a mediania dos cidadãos. Para os menos abonados, contudo, também se aparta ocasião para, pelo trabalho, diminuir carências e remover oportunidades, como esta na Nono Avenida
A Imperatriz «finança», não se fica pelo posto elevado do seu indiscutível poder, desce, também, graciosamente, os degraus dos que tropeçam e querem remir os direitos de libertação das amarras viciosas.
Dizem-nos e o que se lê em jornais e revistas, o confirmam, que há bolsas de desditosos que se reúnem a compartilhar infelicidades e desastres pessoais ou familiares, divorciando-se dos convívios e da lei. Outros, de temperamento flácido, abandonam-se ao « Deus dará» da sorte e do acaso. Há, ainda, os desimportados, mesmo acintosamente repudiantes do quinhão que lhes caberia na sociedade e se autoflagelam, resignando-se aos rudimentos de habitação, alimento e moral. E todos se reúnem, em amálgama de sentimentos tímidos e decadentes, com estatutos biliosos.
E, entre eles, ou à ilharga, aproveitadores desse desconcerto, usufruem dos melhores cómodos e remunerações, sem bulir no esforço do merecimento. O declínio anímico de fracos, faz ricos, os vendeiros de futilidades e promessas vãs.
Comiseração e ajuda, merece a fraqueza. Indiferença e censura, a mistura do oportunismo para receber iguais benesses.
Não é, portanto, notícia estranha, nem localizada, a existência de agregados de fracos. Todos os locais de mais densa população, sofrem de igual enfermidade
Desde que o Homem reflectiu, que teria de tratar de si, para continuar vivo, esta mensagem distribuiu-se morosamente e nem sempre atinge todos os cérebros. A constituição fisiológica, não permite igualizar atitudes.
Todos os Governos, quando podem, retiram fatias do seu orçamento, para esvaziar esses reservatórios de débeis de esforço no trabalho em sociedade. Acontece, porém, que o nível de assistentes, rápido volta ao mesmo, na retoma da subida, incluindo verdadeiros e falsos indigentes.
Os auto- vencidos, ou auto- excluidos, corruptores inconscientes da faculdade de querer, contrabalançam esse vácuo, impondo-se a si próprios, o direito à renúncia da sociedade. Com frenesim.